Abismo da Ilusão
Quando eu era criança, tinha medo de ir à cozinha no escuro. Havia me mudado recentemente. Uma casa pequena. Apenas eu, meu irmão e minha mãe. A casa sem muros e proteção. O piso frio sob os pés descalços. A cada sombra que se mexia, minha respiração acelerava. Sentia que algo, ou alguém, poderia surgir pela vidraça da janela. Respirava fundo, corria para pegar água e voltava voando para debaixo da minha cama. O medo era real. Vivo. À minha própria maneira, eu sobrevivia. Ninguém jamais apareceu pela vidraça.
Anos depois, já adulto, visitei uma gruta em São Thomé das Letras com um grupo de pessoas. Crianças corriam livres por lá, brincando sem medo. Atrás de mim, um homem mais velho disse com a voz trêmeula: “Tenho claustrofobia.” Eu tentei quebrar o gelo com bom humor: “O senhor está no pior lugar do mundo para isso!” Ele não riu. Mas, devagar, seguimos juntos. Passo a passo, com os olhos no final do caminho, aquele homem atravessou o próprio abismo.
A Natureza do Abismo
O abismo é uma ilusão, é uma construção mental. Ele é feito de medos irreais, criados pelo ego e pelas expectativas que carregamos. Nós o alimentamos quando nos forçamos a prever o pior: “E se eu falhar?”, “E se não for bom o suficiente?”, “E se não for reconhecido?” Essas perguntas se acumulam, transformando-se em paredes que não existem. Ao acreditar nelas, a queda parece inevitável. E assim, paramos.
Quando olhamos o medo de perto, percebemos que ele não tem uma forma concreta. O que realmente nos assusta é a sensação de vulnerabilidade. É como estar parado na beira de um precipício e imaginar a queda. No fundo, não é o fracasso que nos bloqueia, mas a ideia de como seremos vistos se ele acontecer.
Por muito tempo, vivi momentos em que o chão parecia desaparecer. Quando um projeto fracassava. Quando não conseguia entregar o resultado que esperava. Quando sentia que não tinha mais dignidade para perder. Era como olhar o abismo nos olhos, sentindo o vazio me chamar. Mas algo acontecia todas as vezes: eu continuava inteiro. Do outro lado do fracasso, lá estava eu, pronto para tentar de novo.
Descobri que, ao dar o primeiro passo, o chão se forma. Cada movimento cria o caminho que não enxergávamos antes. O abismo é ilusão, porque a queda não é real. O que é real é o medo. Ele nos paralisa porque acreditamos nele mais do que em nossa própria capacidade de atravessá-lo.
Como Dissolver o Abismo
Aceitar a realidade é o primeiro passo. Nós nos prendemos em expectativas perfeccionistas, achando que qualquer erro é o fim. Mas a verdade é que erros não nos destroem; eles nos ensinam. Quando aceitamos que o caminho é imperfeito, o abismo perde força. O medo se dissolve, porque paramos de lutar contra ele.
É curioso perceber o quanto de energia desperdiçamos com ilusões. Nos preocupamos com o futuro, com o olhar do outro, com o “e se”. Mas nada disso é real. O que é real é o agora. O movimento. O próximo passo.
O convite que te faço é simples: pegue uma ideia que te assusta e escreva sobre ela. Deixe o medo sair do silêncio e ganhar palavras. Como o abismo da ilusão aparece para você hoje? O que ele diz? O que ele quer que você acredite?
Movimento Cria Caminho
O próximo passo é sempre o mais difícil. Mas também é o mais poderoso. Não pense no resultado final. Escreva, desenhe, grave, crie. O importante é se mover. Porque o abismo só existe enquanto você estiver parado. Atravessá-lo é uma escolha que só você pode fazer.
E quando você der o primeiro passo, descobrirá que o chão estava lá o tempo todo, esperando por você.
Escrito por @jamesvasques
Publicitário, copywriter. Escreve sobre criatividade, autoconhecimento e comunicação.
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