Liberdade e Autodisciplina: O Equilíbrio Essencial para Criar
A História do Músico Prodigioso
O som do violão invadia o pátio da escola pública, abafando o burburinho das vozes adolescentes. Ele estava lá, sentado no chão de cimento perto da cantina, com as pernas cruzadas e uma camiseta velha, provavelmente de algum brechó. O cabelo desgrenhado e os chinelos gastados combinavam com o violão rabiscado que ele segurava. Tocava sem partitura, sem pressa, sem um destino claro. Apenas tocava.
— Cara, como você faz isso? — perguntou um colega, segurando uma coxinha e olhando para ele com a boca semiaberta.
— Sei lá. Só vem — respondeu, sem tirar os olhos das cordas, enquanto o som fluía como água.
Ele não era o melhor aluno. Na verdade, faltava às aulas com frequência, mas sempre dava um jeito de passar de ano. Seus professores sabiam que ele era talentoso, mas também sabiam que ele não queria muito além de um lugar ao sol para tocar suas músicas.
Quando o chamavam para tocar em alguma festinha de bairro, ele ia. Mas nunca procurava oportunidades. Se ninguém o chamasse, tudo bem. Voltava para o pátio da escola ou para alguma praça, onde tocava até o sol começar a cair.
Foi numa dessas apresentações despretensiosas, durante uma feira na cidade, que uma mulher gravou sua performance e enviou o vídeo para um amigo, um produtor musical renomado que morava em Nova York.
— Esse garoto tem algo diferente — pensou Julien, o produtor, ao assistir. Ele mandou uma mensagem.
— Sua música é incrível. Podemos conversar?
Mas o músico nunca respondeu. E não foi por arrogância. Ele simplesmente não tinha o hábito de verificar suas mensagens. Dois anos se passaram até que, por acaso, ele viu a notificação perdida.
— Oi, Julien. Me desculpe, só vi sua mensagem agora.
Do outro lado do mundo, Julien deu uma gargalhada ao ler a resposta tardia. Ainda assim, decidiu tentar novamente.
— Estou em Nova York. Vou pagar sua passagem. Venha gravar comigo.
A viagem foi um evento. Era a primeira vez que ele saía do Brasil, a primeira vez que entrava em um avião. Durante o voo, entre sorrisos tímidos e olhares pela janela, ele imaginava como seria sua nova vida.
Quando chegou, foi tratado como uma estrela. O estúdio era impecável, com equipamentos que ele nunca havia sonhado ver de perto. Gravou o álbum em poucas semanas, com a naturalidade de quem respira música. Os jornais elogiaram o talento cru e original. “Um novo prodígio vindo do Brasil”, diziam as manchetes.
Quando voltou da viagem, ele encontrou o pai sentado à mesa da cozinha, um lugar que raramente ocupava por tanto tempo. O velho estava com o jornal do dia aberto em cima da mesa, uma xícara de café esquecida ao lado, e o rosto marcado por uma expressão pensativa.
— Filho, podemos conversar? — começou, com um tom de voz mais sério do que o habitual.
O músico hesitou, mas se sentou. O pai olhou para ele, o mesmo olhar que tantas vezes carregava um misto de preocupação e ceticismo.
— Escuta, eu nunca imaginei que você fosse tão longe. Vi sua foto no jornal. Sua música tocando no rádio… É coisa grande. Mas você precisa se organizar, filho.
O rapaz franziu o cenho.
— Organizar como?
— Ser mais disciplinado. Olhar essas mensagens no celular, criar um horário para compor, entender que as oportunidades não vão ficar esperando por você.
O músico balançou a cabeça, já impaciente.
— Ah, pai, não começa com isso. Você tá querendo me controlar. Eu não preciso disso.
— Não é controle, filho. É cuidado. Você tem algo especial nas mãos, mas precisa cuidar disso como se fosse um trabalho de verdade. Eu posso te ajudar. A gente pode criar um plano juntos.
— Um plano? — ele levantou da cadeira, quase rindo. — Música não é sobre plano, é sobre liberdade. Você nunca vai entender isso.
O pai suspirou, encarando o filho como quem olha para um barco que está prestes a se perder na correnteza.
— Só lembra do que eu tô te dizendo. A liberdade que você valoriza tanto pode ser o que vai te prender, se você não aprender a conduzir sua própria vida.
O rapaz saiu batendo a porta. As palavras do pai ecoavam em sua mente, mas ele as ignorava. Para ele, tudo aquilo parecia uma tentativa de moldá-lo, de colocar sua música dentro de uma caixa.
Nos meses seguintes, ele voltou à sua rotina desleixada. Esqueceu mensagens importantes, desmarcou apresentações em cima da hora, e, quando percebeu, as pessoas começaram a se afastar. Os colegas, que antes o admiravam, agora evitavam trabalhar com ele. Ele se meteu em confusões, prometendo shows que não entregava e se desculpando com apresentações gratuitas que só reforçavam sua falta de organização.
Aos poucos, a oportunidade passou. O brilho de sua viagem internacional foi ficando no passado, apenas uma memória que os outros mencionavam com um tom de “o que poderia ter sido”.
Agora, ele tenta recuperar o tempo perdido. O violão ainda está lá, encostado na parede, mas a energia que antes o movia parece mais pesada, como se cada nota carregasse o peso das escolhas que ele não fez.
Liberdade e Autodisciplina: O Equilíbrio Essencial para Criar
A ausência de autodisciplina foi o fio que desfez o tecido de sua carreira. Talento sem estrutura é como uma vela ao vento, que brilha intensamente, mas se apaga rápido.
Disciplina, longe de ser uma prisão, é o que dá forma à liberdade. É o que permite que a criatividade, esse fluxo imprevisível, encontre um caminho para se concretizar. É a base que transforma ideias em ações, ações em projetos, e projetos em realizações.
Pense nisso: sua criatividade, por mais brilhante que seja, precisa de direção. Sem margens, ela se espalha e perde força. Com estrutura, ela pode alcançar oceanos que você nem imaginava.
E você, como vem equilibrando sua liberdade criativa com autodisciplina? Talvez seja hora de olhar para as oportunidades que estão à sua volta e decidir quais caminhos quer seguir. Afinal, o talento é apenas o começo; o que o sustenta é o que você faz com ele.
Escrito por @jamesvasques
Publicitário, copywriter. Escreve sobre criatividade, autoconhecimento e comunicação.
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