Autocrítica Excessiva – Quando Bloqueamos o Reflexo de Nós Mesmos
O Talento Raro
Ela tinha um talento raro para escrever, mas ninguém sabia disso. Os cadernos que acumulava eram trancados em uma gaveta, longe dos olhos de qualquer um, como se fossem um segredo vergonhoso. Cada página estava cheia de histórias que nunca terminavam, ideias abandonadas no meio do caminho. Era como se ela escrevesse para depois enterrar tudo em um lugar onde ninguém pudesse ver – nem mesmo ela.
Quando lhe perguntavam por que não mostrava seu trabalho, ela desviava o olhar e dizia: “Não está bom. Nunca está bom.” Mas havia mais do que isso. Havia uma batalha interna silenciosa que ela nunca admitia. Toda vez que lia o que tinha escrito, sentia raiva – não do texto, mas de si mesma. As palavras pareciam escancarar suas falhas, como se cada frase fosse uma acusação.
Os cadernos se tornaram um peso. Cada um deles era uma lembrança de que ela tinha tentado e, aos seus olhos, fracassado. “Por que eu insisto? Nada do que faço vale a pena.” Esses pensamentos a corroíam. Às vezes, ela queria rasgar as páginas, jogá-las fora, apagar qualquer vestígio do que tinha criado. Era mais fácil destruir do que encarar o reflexo que o trabalho mostrava: uma versão dela mesma que nunca parecia suficiente.
Autocrítica Excessiva – Quando Bloqueamos o Reflexo de Nós Mesmos
Ela não escondia os cadernos por causa das palavras que estavam neles, mas por causa das histórias que contava a si mesma sobre quem ela era. Não era o texto que não estava bom, era ela que não se achava suficiente. Toda crítica que fazia ao seu trabalho era, na verdade, uma crítica silenciosa e feroz a si mesma.
Isso é o que a autocrítica excessiva faz: transforma o que criamos em uma medida de valor pessoal. O trabalho nunca é apenas sobre o que ele é; ele se torna sobre quem acreditamos ser. É por isso que é tão difícil colocar algo no mundo. Não tememos que as pessoas rejeitem o que criamos – tememos que elas rejeitem a nós mesmos.
Mas aqui está a verdade: a criatividade não nasce da perfeição. Ela nasce da aceitação. Quando nos permitimos ser imperfeitos, quando aceitamos que o que criamos reflete um momento e não todo o nosso valor, o Crítico interno começa a perder força. Esse Crítico não desaparece de uma vez, mas sua voz fica menos ensurdecedora quando nos tratamos com compaixão.
A aceitação dilui as barreiras internas que nos impedem de criar. Ela nos lembra que a criatividade não é um julgamento, mas um fluxo. Não é sobre provar nada para ninguém – nem para nós mesmos. É sobre dar forma ao que está dentro, com toda sua vulnerabilidade, honestidade e beleza imperfeita.
Quando aceitamos quem somos, não apenas como criadores, mas como seres humanos, nossa criatividade volta a fluir. Os cadernos trancados podem ser abertos, as histórias guardadas podem ser contadas. Porque o que importa nunca foi o quanto elas estavam perfeitas, mas o quanto elas eram verdadeiras. E essa verdade só pode emergir quando nos permitimos existir sem as correntes da autocrítica.
Criar é um ato de coragem, mas também é um ato de amor. Não apenas pelo que fazemos, mas por quem somos enquanto fazemos.
Escrito por @jamesvasques
Publicitário, copywriter. Escreve sobre criatividade, autoconhecimento e comunicação.
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