A vergonha
Durante um culto…
uma criança começou a chorar.
A mãe, constrangida, já se preparava para sair.
Tinha medo do olhar dos outros.
Medo do julgamento.
Mas, do púlpito, a pastora ergueu a voz:
— Deixe a criança chorar.
Deixe a criança chorar…
E seguiu pregando.
No fim, a mãe se aproximou da pastora.
Disse que havia deixado de ir ao culto.
Sempre que o filho chorava, sentia vergonha.
Vergonha de incomodar.
Vergonha de ser vista.
Mas, ao ouvir aquelas palavras,
sentiu como se um peso tivesse se dissolvido dentro dela.
Finalmente pôde ficar.
Pôde ser inteira, sem precisar fugir.
A pastora a abraçou e respondeu:
— Isso é uma das coisas que a gente carrega…
e nem sabe por quê.
A pastora chorou junto à mãe.
—
A vergonha funciona assim.
Silenciosa.
Mas paralisante.
Ela nos faz querer sair da cena antes mesmo de começar.
Nos convence de que não podemos ocupar espaço.
De que só seremos aceitos se formos impecáveis.
Para quem cria, a vergonha é ainda mais cruel.
Transforma a tela em branco numa ameaça.
O rascunho vira inimigo.
A apresentação se torna risco de exposição.
Quantas ideias você já guardou por medo?
Quantos textos nunca publicou porque não estavam bons o bastante?
Quantos projetos você perdeu para a gaveta…
por acreditar que ainda não era o momento certo?
Esse é o ciclo:
Vergonha que leva à inibição.
Inibição que alimenta a sensação de fracasso.
Fracasso que reforça ainda mais a vergonha.
Mas a saída não é vencer a vergonha.
É atravessá-la.
Aceitar-se no inacabado.
Expor-se mesmo trêmulo.
Ler o texto incompleto.
Dividir a ideia torta.
Publicar o rascunho imperfeito.
Porque a criatividade não nasce da perfeição.
Ela nasce da verdade.
O alívio vem quando você se permite ser visto como é.
Quando entende que sua autenticidade pesa mais que o julgamento.
Quando descobre que a imperfeição também faz parte do processo.
A vergonha só perde força diante da coragem de aparecer.
E, nesse gesto simples, você percebe:
expor-se é libertar-se.
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