A Fuga do Presente Como Bloqueio Criativo

Camila segurava o lápis sobre o papel. O desenho já estava praticamente pronto, mas ainda faltava algo. Talvez um ajuste na luz, um detalhe no traço, uma pequena revisão antes de finalizá-lo de vez.

Mas não agora.

Ela fechou o caderno e o empurrou para o lado. Sentiu um alívio imediato, quase imperceptível, como se tivesse adiado uma decisão difícil. Levantou-se da mesa, checou o celular, arrumou alguns objetos fora do lugar. O dia seguiu com outras tarefas, e o desenho continuou ali, esperando um momento mais certo para ser finalizado.

Só que esse momento nunca chegava.

A Procrastinação Como Resistência ao Agora

A procrastinação raramente se revela como medo. Ela veste outras máscaras.

Disfarça-se de perfeccionismo, de preparação, de pesquisa. Faz parecer que estamos apenas esperando a melhor hora. Mas, na realidade, estamos fugindo do presente.

Camila adiava seu projeto não porque precisava de mais tempo, mas porque o tempo em que a arte se torna real — o agora — traz riscos. Risco de errar. De se expor. De perceber que o resultado nunca será exatamente como imaginava.

Enquanto um trabalho está inacabado, ele permanece protegido. O desenho que ainda não foi finalizado pode continuar sendo promissor. Mas, no momento em que se dá como concluído, ele pode ser julgado.

E esse é o verdadeiro medo.

O mais curioso é que Camila não tinha problemas com prazos. Entregava seus trabalhos comerciais no tempo certo, sem hesitação. Mas quando se tratava de algo pessoal, o padrão se repetia: ela adiava.

Porque aquilo que realmente importa nos torna visíveis.

E estar visível exige presença. Exige que estejamos aqui, agora, sem a desculpa do “depois”.

Mas a procrastinação nos mantém na ilusão da espera. Nos convence de que, quando estivermos mais preparados, mais confiantes, mais inspirados, aí sim poderemos concluir.

Só que esse dia ideal nunca chega.

Criar é Escolher o Agora

Naquela noite, Camila olhou para seu desenho outra vez. O impulso de adiar ainda estava ali, sussurrando que um último ajuste poderia torná-lo melhor.

Mas, pela primeira vez, ela percebeu que esse impulso não era sobre o desenho. Era sobre evitar o momento presente.

Respirou fundo. Pegou a caneta. Assinou.

Finalizado.

Porque a verdade é simples: a criatividade só existe no agora. Quanto mais fugimos dele, mais distante ficamos da arte que queremos criar.

Escrito por

Publicitário, copywriter. Escreve sobre criatividade, autoconhecimento e comunicação.

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